21 de mar. de 2009


Uma catequese atenta aos «sinais dos tempos»: evangelizadora ou sacramentalista? I

1. Catequese e mundo moderno
As Diretrizes da Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, para os anos de 2008-2010, seguindo a sua lógica interna, a qual estrutura suas orientações pastorais em três linhas de ação, a saber: o Ministério da Palavra, o Ministério da Liturgia e Ministério da Caridade. Esta orientação não é por acaso, ela tem sua razão de ser, pois, aquilo que a Igreja – comunidade eclesial, povo de Deus, pastores e fiéis – recebeu dos apóstolos, ela é no mundo atual chamada a ensinar e a transmitir (Ministério da Palavra), por meio da sua pregação e do seu testemunho.
Igualmente, esta mesma comunidade de fé é chamada a celebrar (Ministério da Liturgia) no seu dia-a-dia, nas suas celebrações diárias e semanais, para que por meio disto que ela (Igreja) recebeu, nutre-se e celebra, ela mesma possa alimentar os outros, servindo à humanidade, transformando os “sinais de morte” ou “realidade de menos vida em sinais de mais vida” (Paulo VI) e, cumprir assim a sua vocação profética de ser “uma Igreja servidora da humanidade” ou como nos ensina o Concílio Vaticano II, “o sacramento universal de salvação” (Ministério da Caridade)! Estes três ministérios servem de eixo integrador de toda a Igreja: natureza, vida e missão.
Neste âmbito as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja para este próximo biênio afirmam que «o ministério da Palavra exige o ministério da catequese a todos, porque fortalece a conversão inicial e permite que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio ao mundo que os desafia» (DA, n. 278c). O texto da CNBB não cita a afirmação do Documento de Aparecida na sua integridade, pois, este assegura que frente aos desafios já mencionados, exige-se fundamentalmente, uma catequese permanente para que todos possam fazer parte do discipulado de Jesus Cristo (cf. DGAE, n. 64).
Os pastores da Igreja do Brasil ao elaborarem estas Diretrizes não fazem neste ponto concreto uma avaliação da cultura de hoje, apenas afirmam ser esta uma «cultura marcadamente pluralista», porém, não avaliam este pluralismo. Aqui um fato nos chama à atenção quando lemos tantos outros documentos da Igreja, pois, neste ponto concreto ao apresentarem a cultura moderna sempre avaliam numa perspectiva negativo-pessimista, pondo o mundo da cultura quase que como lugar de ação do demônio e não de Deus, princípio e fim da humanidade.
Mesmo o documento não tratando deste fato concreto creio que seja conveniente trazermos presente aqui um dado interessante: parece que a Igreja, pastores e fiéis, ainda não aprendeu a encarar com seriedade a sociedade moderna ou pós-moderna. Sempre que se refere ao mundo da cultura moderna não usa a virtude do equilíbrio, mas ao contrário, delonga-se em acusar esta época histórica de maléfica, contrária ao Evangelho e anti-eclesial. Na realidade não se trata bem de uma época anti-evangélica e anti-eclesial, cremos que se trate bem mais de uma época que deseja ser reconhecida por si mesma, desejo este já assegurado pelo Concílio Vaticano II, quando tratou da «autonomia das realidades temporais» (cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes).
Estamos propensos a pensar que a sociedade moderna e pós-moderna, não obstante suas sobras (a nosso aviso a principal sombra é ser uma sociedade baseada e regida pelo mundo da economia, reduzindo o ser humano a uma máquina de produção que gera lucro para as grandes potencias econômicas do mundo) é uma sociedade que soube lutar pelos seus direitos: na busca da liberdade, na valorização da autonomia e da independência. Assim, não seria justo condenar a sociedade moderna, seria bem mais justo reconhecer nela valores e limites. Por exemplo, nenhuma outra fase histórica soube valorizar tão bem a subjetividade humana, a liberdade individual e autonomia do sujeito, quanto a sociedade moderna.
O grande problema na realidade é que a modernidade nunca foi bem acolhida e aceita naquilo que ela tem de mais original. Sobretudo, dentro da Igreja e, a respeito da religião, que na sua grande maioria procurou-se sufocá-la em vez de acolhê-la e orientá-la. Por isso, aquilo que era liberdade tornou-se liberalismo, o que era subjetividade virou subjetivismo e, assim sucessivamente.
Quanto ao seio da Igreja, por não saber lidar com estes elementos próprios da modernidade, vimos alastrar o abismo entre fé e ciência, ou em outras palavras, entre pensamento religioso e pensamento científico. De um lado, assistimos ao surto de um pensamento cientifico sem referenciais absolutas e sem pretensas religiosas e, pior ainda, muitas vezes rejeitando toda e qualquer forma de pensamento religioso, quando não classificando o pensar religioso de arcaico e conservador. De outro lado, oposto a isto tivemos um pensar religioso que não soube abrir-se ao mundo dos anseios dos homens e mulheres de seu tempo e, portanto, foi-se cada vez mais fechando-se no pequeno mundinho da religioso puramente eclesiástico e institucional.
O resultado de tudo isso presenciamos diariamente e em grande escala: um pensamento cientifico fechado em si mesmo, sem valores absolutos e fundamentais, apegando-se no puramente material e sem espaço de abertura para o transcendente. Talvez, afirmar que o pensamento pós-moderno é fechado ao transcendente, não seja nada honesto e real, pois, vimos de modo assustador como este mundo moderno ou pós-moderno manifesta-se cada vez mais voltado para a busca do fim último da existência humana, de sorte que estamos de acordo, que o mundo moderno não exprime uma abertura para o divino no sentido do Deus cristão, revelado em Jesus de Nazaré, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus Trino. Porém, é um mundo profundamente propenso a uma busca de sentido numa força superior, numa energia vital que traga ao ser humano uma paz interior.
No âmbito da religião oficial os últimos cinqüenta anos nos mostraram que por não sabermos tratar de modo justo e equilibrado o pensamento religioso e o pensamento cientifico caímos num outro abismo: aquele da separação entre corpo (material) e espírito (espiritual)!
Em tempos posteriores ao Concílio Vaticano II, até meados da década de oitenta, pôs-se um forte assento na dimensão corpórea – dimensão horizontal da fé - num discurso profundamente voltado para o corpo, o corpo ferido e torturado, dos crucificados e crucificadas. Na realidade foi um tempo de um essencial grito profético na defesa da vida, do corpo massacrado e pisoteado pelas injustiças que afligiam a humanidade inteira, sobretudo, os povos latino-americanos.
Mesmo que com alguns elementos não bem articulados e carentes de certos ajustes, este fazer teologia e sua catequese implícita e explicita era muito necessária e urgente, porém, ela era inquietante e profética já no seu ser e fazer teologia. Questionava uma reflexão catequética muito intra-eclesial, voltada para a instituição, centrada no dogma, bem mais, um dogmatismo com bases na memorização das fórmulas elaboradas da fé.


Uma catequese atenta aos «sinais dos tempos»: evangelizadora ou sacramentalista? II
2. A catequese na história
As experiências catequéticas originadas no pós-Concílio seguia uma outra lógica: abriu-se aos grandes problemas que atingiam a humanidade, comprometendo-se com os anseios dos povos sofridos deste pobre continente Latino-Americano.
O modo de proceder desta catequese latino-americano era, diga-se de passagem, uma reação ao mundo limitado de reflexão da catequese do Catecismo Romano[1]. Este modo de fazer catequese, na realidade o nome dado a esta experiência era catecismo e não catequese. Assim, tínhamos professores do catecismo, alunos do catecismo, aulas de catecismo, etc. Tinha-se aqui a famosa instrução cristã, muito clássica redigida e resultante do Concílio de Trento (1545-1563)[2].
Este modelo catequético reflete nos seus manuais, mesmo que com inúmeras páginas, uma profunda pobreza. Uma avaliação precisa deve ser verdadeira em assegurar que esta catequese tinha na sua índole um fim apologético, na defesa da fé católica contra os protestantes, que o Concílio de Trento muito bem se prestou a isso e, dele derivante, a sua teologia essencialista e controversista dos manuais.
Segundo alguns estudiosos, por exemplo, Francisco Morás, grande estudioso das correntes catequéticas do mundo moderno, podemos agrupar estas tendências da catequese contemporânea em quatro linhas. Que ele denomina-as de Catequese Kerigmática, Catequese Catecumenal, Catequese Antropológica e Catequese Histórico-Profética.
Na linha de reflexão de Morás, a Catequese Kerigmática, surgida nos anos de cinqüenta e sessenta, foi precisamente falando, um movimento que substituiu os «pequenos catecismos» na linha do Catecismo Tridentino. Este catecismo resultante do Concílio de Trento teve várias versos e, quanto mais se multiplicavam os textos nesta linha, mais pobres eles se tornavam, pois, não refletiam a doutrina ampla nele contida. Reproduziam, cada vez mais, textos sintéticos e desconexos entre os vários elementos que davam ao Catecismo de Trento uma visão de conjunto. A Catequese Kerigmática segue estas sínteses do Catecismo Romano.
Quanto ao nome deste catecismo, já falamos de Catecismo Romano, Catecismo de Trento, parece mesmo que estamos falando de textos diversos. Não é bem assim! O problema é que este catecismo fruto do Concílio de Trento recebeu muitos nomes diferentes, provocando-nos uma dificuldade de reconhecermos seus primeiros destinatários.

[1] Quando paramos para uma análise mais prolongada e aprofundada da catequese seguida nos anos cinqüenta (50) e sessenta (60) nos damos contas que ela era centrada em temas essencialistas da doutrina cristã. Seguia uma metodologia própria e um modo de aprendizagem – decorar as verdades fundamentais – nos moldes de perguntas e respostas. Eram conteúdos deste tipo de catequese, entre outros temas, por exemplo, quem é Deus? Por que Deus é eterno? Quem é o homem? E, assim sucessivamente. A estas perguntas, todos deviam ter decoradas as seguintes respostas: a) Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno, criador do céu e da terra. À segunda pergunta teríamos que responder: b) Deus é eterno porque sempre existiu, não teve princípio nem há de ter fim. Por fim, à terceira pergunta deveríamos responder: c) O homem é criatura racional, composta de corpo e alma.
[2] Cf. Morás, Francisco. As correntes Contemporâneas da Catequese. Petrópolis: Vozes 2004, p. 13-14.

19 de mar. de 2009

O RETORNO AO SAGRADO!

Hoje estamos diante de muitas formas de espiritualidade. E, sem dúvida, isto contrasta em muito a previsão dos filósofos que acreditavam e anunciavam o fim do religioso e/ou do ‘império’ do sagrado. No entanto, o que vemos hoje ao nosso redor é exatamente o contrário. E vários fatores convergem, neste momento atual para o surto religioso ou o retorno ao sagrado.
Em primeiro lugar vamos mostrar uma questão antropológica, que leva sem mais nem menos à busca do sagrado. Este busca pelo sagrado, pelo divino é realidade de sempre e, ela se encontra e/ou faz parte da própria base do ser humano, homem e mulher, que deseja o Transcendente - a Deus -, como tão bem expressa os salmos, a ponto de comparar-nos com a corça que suspira pelas torrentes d’água. “Como a corça bramindo por águas correntes, assim minha alma está bramindo por ti, ó meu Deus”(Sl 42,2).
Nesta base antropológica o homem e a mulher se manifestam como sendo seres ‘carentes’ do sagrado. E aí se expressa a completude do ser humano, homem/mulher, sujeito pluridimensional, ser social, cultural e político, que também é, um ser religioso por essência. Isto quer dizer que o homem e a mulher são seres propensos, carentes de um sentido maior para suas vidas, são seres abertos ao sagrado, ao Transcendente, a uma Força Superior, Absoluto Único, Energia Vital.
É um dado inquestionável que a sociedade contemporânea vive um momento intensamente religioso. É muito fácil perceber este retorno ao sagrado hoje:
* Pelo inúmero surgimento de novos templos, casas de oração, grupos de filosofias de vida e comunidades de vida;
* Pela criação ou expansão inédita de novos movimentos religiosos;
* Pela trágica miséria das guerras, que na instância última de suas realizações, têm um fundamentalismo religioso;
* Pela grande propagação de novas conversões, oportunistas ou verdadeiras, de muitas pessoas, sobretudo, de pessoas famosas que a mídia divulga como “modelos” de vida nova;
* Pela corrida de grupos religiosos para adquirirem meios de comunicação rádios, jornais e televisão, como canais de propagação da fé;
* Pela explosão do “sacro mercadológico”. Basta imaginar a comercialização de tantos símbolos sagrados das diversas religiões, como também a expansão de livros e/ou artigos relacionados às religiões esotéricas, místicas e de auto-ajuda.
É inegável que a “onda mística” invade a sociedade contemporânea, impondo-se ou, pelo menos, que pode ser confundida com uma busca sincera do sagrado.
Conforme enunciamos acima, diversas circunstâncias históricas, como estamos vivendo atualmente, aguçam esta sede de experiências religiosas ou retorno ao sagrado.
Não é de se estranhar como o advento da modernidade e a evolução científica tornaram o homem e a mulher modernos; Inseguros e frágeis, diante de tantas catástrofes ocorridas nos últimos anos - as duas grandes guerras mundiais, os atentados terroristas, o surto do individualismo e do consumismo moderno e, mais ainda, o fracasso de tantas lutas revolucionárias, de tanto esforço em vão por mudar o sistema atual. Isto os levou muitos militantes a abandonarem se é que não já tenham abandonado a arena, refugiando-se na busca do religioso.
O grande problema é que infelizmente esta busca do religioso, este retorno ao sagrado, teve ou tem sua origem a partir de uma decepção, tornando-se uma busca frustrada. Popularmente se diz: “Vá devagar à fonte para não correr o risco de se afogar”. Eis o grande perigo desta busca pelo religioso/sagrado nos tempos atuais. Por ser uma busca que tem sua origem numa decepção, levar um número muito grande de homens e mulheres a correr cegamente atrás do religioso de forma alienada, sem compromisso, com a vida, sem militância, sem resistência e, acima de tudo, uma busca que foge do fundamento cristão, um Deus feito Homem.
Esta base constitutiva da busca do sagrado, na modernidade, já nos alerta para o risco deste alvorecer do sagrado envolver e, com certeza, envolve certa alienação política, ao vir substituir a militância pela oficina de oração, pelos seminários de vida no espírito, pelas sessões de cura e de descarrego e pelos “Cristo folia” – carnavais com Cristo.
Neste sentido caso queiramos mostrar como este fenômeno traz em si traços alienantes e alienadores basta buscar sua influência americana, como o próprio nome dado a alguns destes eventos tão bem nos confirma; “Christi dance night”, também tomemos, por exemplo, a Nova Era, que não pode ser tomada, de forma nenhuma, como religião, mas que de fato como “onda mística” ou “filosofia de vida” veio embalada no colorido dos presentes de luxo, importados dos Estados Unidos e que tem feito bastante sucesso em amplo setores da classe média e da juventude brasileira.
Assim sendo, tanto mais forte é a decepção com as lutas políticas, quanto maior aparece a corrupção e a decadência dos políticos. Desanimados/as diante da impotência do sistema e enojados/as de tanta corrupção homens e mulheres fogem do religioso que provoca uma tomada de posição, que questiona o sistema, que compromete e que resiste, para buscar o religioso de paradigmas serenos, de consolo, de consciência tranqüila e gozo espiritual.
Isto, porém, não quer dizer que a situação de hoje seja melhor que a de ontem, que de fato exista igualdade e fraternidade entre os seres humanos. Pelo contrário, eis que a desigualdade cresce cada vez mais. Já é um lugar comum dizer que a brecha entre pobres e ricos aumenta não só entre pessoas, mas também entre países e continentes. A fraternidade é ameaçada pelo individualismo e pela exclusão. A liberdade é ameaçada e sofre o embate das propagandas cada vez mais sutis, que nos condicionam a decisões consumistas.
A um Deus que nos ama com um amor incomensurável cabe-nos uma resposta de amor incondicional. É, pois, a partir desta aliança de amor que devemos fundamentar a busca do sagrado, porém, esta busca pelo religioso não pode vir de outra experiência a não ser de uma espiritualidade do seguimento a Jesus Cristo, o Filho de Deus Encarnado, Crucificado e Ressuscitado.
É nesta tríade cristológica que deve ser fundamentada a busca do religioso pelo homem e pela mulher hodiernos, pois nela não há lugar para uma alienação. É somente a partir do Nazareno que cada um e cada uma pode viver a espiritualidade do seguimento, compartilhando com Ele a experiência da crucificação e fazendo valer o mistério da Encarnação, comprometendo-se com tantos/as crucificados/as da história, que condividem com Cristo o peso diário de suas cruzes, cruz pessoal e social imposta por um sistema capitalista e excludente, que crucifica milhões e milhões de irmãos e irmãs nos dias de hoje.
É, pois, mediante a vivência do religioso que passa pela encarnação e a crucificação que o homem e a mulher modernos poderão apostar sem temor que assim como compartilham com Cristo a “dor” da encarnação e da crucificação, também compartilharão com Ele a alegria e a vitória da ressurreição e, fazendo de fato a experiência da vida querida por Jesus Cristo que afirma: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham e abundância”(Jo 10 ,10); viver como ressuscitados e cantar com o cantor e compositor Gonzaguinha “a vida é bonita, é bonita, é bonita...”.

As Comunidades Eclesiais de Base ainda existem?

As Comunidades Eclesiais de Base, nasceram na Igreja do Brasil, nas décadas de 1960 -1970, algumas mesmo antes deste período. Porém, enquanto caminhada da Igreja de modo articulado exprimiram-se na década de 1970. Seu contexto de origem retoma uma época histórica bem fecunda e de grande tensões sócio-políticas e eclesiásticas. Porém, um tempo em que a Igreja assumiu decisiva e ousadamente a “opção preferencial pelos pobres” sendo frente aos conflitos de governos ditadores, a “vez” e a “voz” dos sem voz!
Já na década de 1950, tivemos muitas iniciativas eclesiais. Foi neste período que foram dados os primeiros passos na criação da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Neste sentido, quanto ao surgimento das CEB´s, quase todos os estudiosos do assunto estão de acordo em afirmarem que foram muitos os movimentos e as iniciativas que prepararam o terreno de nascimento das CEB´s.
Nos confirmam isso que acabamos de afirmar experiências eclesiais tais como: A Catequese popular de Barra do Piraí (1956 ), o Movimento de Natal (1948) e o Movimento de Educação de Base (1958).
Nos anos 1990, num panorama político e eclesial bem diferente daquele, a Igreja volta sua atenção para si mesma na “volta à grande disciplina” e num projeto centralizador, encabeçado pela Cúria Romana, sobretudo, na condenação de vários teólogos latino-americanos, companheiros e companheiras das CEB´s. Igualmente, neste período temos a ênfase dada aos movimentos eclesiais de cunho tradicionalistas e neo-conservadores. Nesta linha de frente, passa ao centro das atenções um modelo de Igreja centrado predominadamente no eclesiástico, com um forte acento no ministro ordenado (sacerdote), em detrimento do protagonismo dos leigos; Destacando-se um estilo de padre pré-Vaticano II, no qual se destaca o elemento exterior, nos seus traços físicos e nas suas formas de piedade. Um homem distante do povo e que tem sempre a última palavra em questões de religião e de ‘pastoral’.
É claro que frente a tudo isso e com a “época de ouro” dos movimentos neo-pentecostais, as CEB’s sofreram um impasse significativo. Foram muitas vezes alvo de críticas e de denúncias de muitos dentro e fora do seio da Igreja. Muitas pessoas desinformada atestavam de consciência tranqüila o fim das CEB’s. Dentro da Igreja fiéis e pastores que se sentiam incomodados com o jeito de ser Igreja das CEB’s, proclamavam em alto e bom som, seu fim. Certamente, para muita gente a morte das CEB’s seria interessante, mas a verdade não é essa. Elas não morrem, não são coisa de gente velha, nem estão ultrapassadas, pois, os encontros de Comunidades Eclesiais de Base mostram com muita esperança e potencial a vivacidade das CEB’s e a presença da juventude nelas.
Quanto à Diocese de Petrolina, mesmo que certas pessoas digam que na Diocese não tem CEB’s, estamos convictos que elas vivem sim, mesmo que estejam sofrendo uma grande crise de articulação, por causa do descuido e da falta de acompanhamento das comunidades, sobretudo, das rurais. E, que nas áreas urbanas e nos grandes centros, as CEB’s não são vistas porque não se tem uma presença da Igreja, nestes espaços que reúna o povo no jeito das CEB’s e, manifeste a real situação de miséria vivida nestes ambientes.
TEOLOGIA DA REVELAÇÃO
I - A RELAÇÃO ENTRE ESCRITURA, TRADIÇÃO E MAGISTÉRIO
A princípio para bem desenvolver a questão da relação entre Escritura,Tradição e Magistério devemos partir do fundamental evento e, mesmo centro constitutivo, da nossa fé cristã, isto é, o evento Jesus de Nazaré. A pessoa e a obra de Jesus de Nazaré, enquanto Crucificado Ressuscitado, não é uma mera idéia. As ações realizadas pela Igreja em nome d’Ele não é uma mera repetição de fatos no sentido de ‹recordação› de um fato passado; nelas, ao contrário, Jesus se faz presente pessoalmente nas várias manifestações da vida da comunidade eclesial e, historicamente, mediatizada pela Palavra Escrita e por meio da Tradição.
Nesta perspectiva a relação Escritura, Tradição e Magistério tem no seu centro como ‹norma suprema› parafraseando aquilo que disse o Vaticano II, a palavra salvífica de Deus assim como vem transmitida pela Sagrada Escritura, sendo esta ‹alma de toda teologia› (Dei Verbum, 21; Optatam Totius, 16).
Assim, convém, fazermos presente a seguinte distinção: o evento da revelação em Jesus Cristo e o testemunho escrito dessa revelação. Neste terminologia temos: a) a palavra de Deus em Jesus Cristo é norma suprema, ou seja, ‹norma non normata›; b) a palavra de Deus escrita é ‹norma normata› primária. Procedendo desse modo asseguramos dois pontos importantes do desenvolvimento desta reflexão:
a) Asseguramos em primeiro lugar, a necessidade da mediação da palavra humana na escritura;
b) Em segundo lugar evitamos um biblicismo fundamentalista extrínseco e, tratamos sadiamente a relação Escritura e Tradição em referência à revelação.
É, pois, desta singularidade do evento Cristo que vem a normatividade e o fundamento da Escritura para a fé cristã, pois dela vem por meio da Igreja apostólica e nos é transmitida por ela o testemunho do Senhor. Dela recebemos o testemunho de Cristo garantido por uma especial assistência do Espírito Santo (o carisma da inspiração).
Seguindo esta mesma lógica a interpretação da Escritura, enquanto esta última é testemunha de fé da Igreja apostólica, do evento Cristo, implica por isso mesmo a mediação eclesial da Tradição. Esta sua exigência da mediação eclesial da Tradição tem duas dimensões:
a) Aquela que tem como princípio o fato de que é por meio da Tradição que a Escritura vem transmitida e chega até nós;
b) Aquela que diz respeito ao fato de que é por meio da mediação da Tradição que a Escritura se torna viva, atuante e compreensível para os homens e mulheres de hoje.
Querendo melhor compreender o conceito de Tradição, inspiramo-nos nas palavras de Pottmayer dizendo que esta é ‹a ininterrupta auto-transmissão da palavra de Deus no Espírito Santo por meio do serviço da Igreja para a salvação de todos os homens›. Desta clara definição derivam três conseqüências:
a) O sujeito primordial da Tradição é o próprio Deus, a sua palavra feita carne, Jesus de Nazaré.
b) O sujeito ministerial desta Tradição é a Igreja enquanto comunidade hierárquica (cf. DV, 10), que na sua doutrina, no seu culto e na sua vida transmite esta palavra (cf. DV, 08).
c) A finalidade desta transmissão - que tem seu fundamento em Cristo é prolongada na história e ‹atualizada› pela Igreja (Tradição) - a salvação de todos os homens e mulheres no conhecimento da verdade (cf. 1Tm 2,4).
A relação entre Escritura e Tradição nos assegura que a palavra de Deus não chega até nós apenas pela Escritura, mas, igualmente, mediante a Tradição, enquanto que ela é acolhida, professada, vivida e transmitida pela vida de fé da Igreja. Assim, temos, pois, a Escritura como ‹traditio constitutiva› e a mediação eclesial (Tradição) ‹traditio interpretativa e explicativa›.
A esta respeito nos ensina o Vaticano II: ‹a Sagrada Escritura e Sagrada tradição têm uma mesma fonte divina, num certo sentido formam uma única coisa e ambas tendem a um mesmo fim› (DV, 09).
Contudo, convém, não confundir Escritura e Tradição. Somente a primeira é palavra de Deus (escrita), por meio as assistência do Espírito Santo, ao passo que a segunda, a seu modo assegurada pela ação do Espírito Santo, é transmissão da palavra de Deus. De igual modo não podemos separar, porque a Escritura contém a revelação cristã e é norma para a Igreja, porém, esta é palavra viva e atuante para nós na fé viva da Igreja (tradição).
Um terceiro elemento que devemos acrescentar nesta exposição é o magistério eclesial. Cristo, palavra eterna do Pai, não só quis está conosco até o fim dos tempos, mas Ele mesmo dotou sua comunidade de uma constante assistência do Espírito Santo. Nesta constante assistência do Espírito Santo ao inteiro povo de Deus se assenta o carisma da indefectibilidade da Igreja, por isso, em determinadas situações o inteiro povo de Deus (sensus fidelium) e o magistério do colégio episcopal tem a garantia da presença e da penetração na verdade revelada.
No caso do sensus fidelium, o Vaticano II diz: ‹que o inteiro povo de Deus que recebeu a unção do Espírito Santo não pode errar no ato de crer, manifestando esta sua propriedade por meio do senso sobrenatural da fé› (Lumen Gentium, 12).
Também aqui para o magistério, o seu fundamento não pode ser extrínseco. Ele funda-se no fato mesmo da revelação de Jesus Cristo, transmitido pelo Novo Testamento, enquanto o próprio Cristo transmitiu aos apóstolos o poder de ensinarem em seu próprio nome e com a sua mesma autoridade. Por isso, os apóstolos e, legitimamente, seus sucessores, os bispos, foram chamados e habilitados para exercitarem aquele carisma que santo Irineu chamava de ‹charisma veritatis certum›.
O Magistério encontra sua base teológica em duas verdades que a Igreja acredita contida na revelação:
a) A indefectibilidade da Igreja enquanto comunidade de fé;
b) A instituição dos Doze, por parte de Jesus Cristo, enquanto constitutiva da Igreja.
Tendo presente estes dois elementos essenciais o Vaticano II, na sua constituição dogmática sobre a divina revelação, escreveu: ‹o ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita e oral é exercitada no nome de Jesus Cristo› (DV, 10). Portanto, ao magistério compete a interpretação fiel e autêntica do conteúdo da revelação.
Eis, pois, a mútua relação existente entre a Escritura, a Tradição e o Magistério: a primeira é constitutiva da revelação (traditio constitutiva), a segunda é instância intermediária da transmissão da revelação (traditio explicativa) e, por fim, o Magistério é instância interpretativa fiel e autêntica do conteúdo da revelação. E, portanto, ‹a sagrada escritura, a sagrada tradição e o magistério eclesial, por sapientíssima disposição de Deus, são conexas entre si a ponto de não poder subsistirem independentemente› (DV, 10).