21 de mar. de 2009


Uma catequese atenta aos «sinais dos tempos»: evangelizadora ou sacramentalista? I

1. Catequese e mundo moderno
As Diretrizes da Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, para os anos de 2008-2010, seguindo a sua lógica interna, a qual estrutura suas orientações pastorais em três linhas de ação, a saber: o Ministério da Palavra, o Ministério da Liturgia e Ministério da Caridade. Esta orientação não é por acaso, ela tem sua razão de ser, pois, aquilo que a Igreja – comunidade eclesial, povo de Deus, pastores e fiéis – recebeu dos apóstolos, ela é no mundo atual chamada a ensinar e a transmitir (Ministério da Palavra), por meio da sua pregação e do seu testemunho.
Igualmente, esta mesma comunidade de fé é chamada a celebrar (Ministério da Liturgia) no seu dia-a-dia, nas suas celebrações diárias e semanais, para que por meio disto que ela (Igreja) recebeu, nutre-se e celebra, ela mesma possa alimentar os outros, servindo à humanidade, transformando os “sinais de morte” ou “realidade de menos vida em sinais de mais vida” (Paulo VI) e, cumprir assim a sua vocação profética de ser “uma Igreja servidora da humanidade” ou como nos ensina o Concílio Vaticano II, “o sacramento universal de salvação” (Ministério da Caridade)! Estes três ministérios servem de eixo integrador de toda a Igreja: natureza, vida e missão.
Neste âmbito as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja para este próximo biênio afirmam que «o ministério da Palavra exige o ministério da catequese a todos, porque fortalece a conversão inicial e permite que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio ao mundo que os desafia» (DA, n. 278c). O texto da CNBB não cita a afirmação do Documento de Aparecida na sua integridade, pois, este assegura que frente aos desafios já mencionados, exige-se fundamentalmente, uma catequese permanente para que todos possam fazer parte do discipulado de Jesus Cristo (cf. DGAE, n. 64).
Os pastores da Igreja do Brasil ao elaborarem estas Diretrizes não fazem neste ponto concreto uma avaliação da cultura de hoje, apenas afirmam ser esta uma «cultura marcadamente pluralista», porém, não avaliam este pluralismo. Aqui um fato nos chama à atenção quando lemos tantos outros documentos da Igreja, pois, neste ponto concreto ao apresentarem a cultura moderna sempre avaliam numa perspectiva negativo-pessimista, pondo o mundo da cultura quase que como lugar de ação do demônio e não de Deus, princípio e fim da humanidade.
Mesmo o documento não tratando deste fato concreto creio que seja conveniente trazermos presente aqui um dado interessante: parece que a Igreja, pastores e fiéis, ainda não aprendeu a encarar com seriedade a sociedade moderna ou pós-moderna. Sempre que se refere ao mundo da cultura moderna não usa a virtude do equilíbrio, mas ao contrário, delonga-se em acusar esta época histórica de maléfica, contrária ao Evangelho e anti-eclesial. Na realidade não se trata bem de uma época anti-evangélica e anti-eclesial, cremos que se trate bem mais de uma época que deseja ser reconhecida por si mesma, desejo este já assegurado pelo Concílio Vaticano II, quando tratou da «autonomia das realidades temporais» (cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes).
Estamos propensos a pensar que a sociedade moderna e pós-moderna, não obstante suas sobras (a nosso aviso a principal sombra é ser uma sociedade baseada e regida pelo mundo da economia, reduzindo o ser humano a uma máquina de produção que gera lucro para as grandes potencias econômicas do mundo) é uma sociedade que soube lutar pelos seus direitos: na busca da liberdade, na valorização da autonomia e da independência. Assim, não seria justo condenar a sociedade moderna, seria bem mais justo reconhecer nela valores e limites. Por exemplo, nenhuma outra fase histórica soube valorizar tão bem a subjetividade humana, a liberdade individual e autonomia do sujeito, quanto a sociedade moderna.
O grande problema na realidade é que a modernidade nunca foi bem acolhida e aceita naquilo que ela tem de mais original. Sobretudo, dentro da Igreja e, a respeito da religião, que na sua grande maioria procurou-se sufocá-la em vez de acolhê-la e orientá-la. Por isso, aquilo que era liberdade tornou-se liberalismo, o que era subjetividade virou subjetivismo e, assim sucessivamente.
Quanto ao seio da Igreja, por não saber lidar com estes elementos próprios da modernidade, vimos alastrar o abismo entre fé e ciência, ou em outras palavras, entre pensamento religioso e pensamento científico. De um lado, assistimos ao surto de um pensamento cientifico sem referenciais absolutas e sem pretensas religiosas e, pior ainda, muitas vezes rejeitando toda e qualquer forma de pensamento religioso, quando não classificando o pensar religioso de arcaico e conservador. De outro lado, oposto a isto tivemos um pensar religioso que não soube abrir-se ao mundo dos anseios dos homens e mulheres de seu tempo e, portanto, foi-se cada vez mais fechando-se no pequeno mundinho da religioso puramente eclesiástico e institucional.
O resultado de tudo isso presenciamos diariamente e em grande escala: um pensamento cientifico fechado em si mesmo, sem valores absolutos e fundamentais, apegando-se no puramente material e sem espaço de abertura para o transcendente. Talvez, afirmar que o pensamento pós-moderno é fechado ao transcendente, não seja nada honesto e real, pois, vimos de modo assustador como este mundo moderno ou pós-moderno manifesta-se cada vez mais voltado para a busca do fim último da existência humana, de sorte que estamos de acordo, que o mundo moderno não exprime uma abertura para o divino no sentido do Deus cristão, revelado em Jesus de Nazaré, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus Trino. Porém, é um mundo profundamente propenso a uma busca de sentido numa força superior, numa energia vital que traga ao ser humano uma paz interior.
No âmbito da religião oficial os últimos cinqüenta anos nos mostraram que por não sabermos tratar de modo justo e equilibrado o pensamento religioso e o pensamento cientifico caímos num outro abismo: aquele da separação entre corpo (material) e espírito (espiritual)!
Em tempos posteriores ao Concílio Vaticano II, até meados da década de oitenta, pôs-se um forte assento na dimensão corpórea – dimensão horizontal da fé - num discurso profundamente voltado para o corpo, o corpo ferido e torturado, dos crucificados e crucificadas. Na realidade foi um tempo de um essencial grito profético na defesa da vida, do corpo massacrado e pisoteado pelas injustiças que afligiam a humanidade inteira, sobretudo, os povos latino-americanos.
Mesmo que com alguns elementos não bem articulados e carentes de certos ajustes, este fazer teologia e sua catequese implícita e explicita era muito necessária e urgente, porém, ela era inquietante e profética já no seu ser e fazer teologia. Questionava uma reflexão catequética muito intra-eclesial, voltada para a instituição, centrada no dogma, bem mais, um dogmatismo com bases na memorização das fórmulas elaboradas da fé.


Uma catequese atenta aos «sinais dos tempos»: evangelizadora ou sacramentalista? II
2. A catequese na história
As experiências catequéticas originadas no pós-Concílio seguia uma outra lógica: abriu-se aos grandes problemas que atingiam a humanidade, comprometendo-se com os anseios dos povos sofridos deste pobre continente Latino-Americano.
O modo de proceder desta catequese latino-americano era, diga-se de passagem, uma reação ao mundo limitado de reflexão da catequese do Catecismo Romano[1]. Este modo de fazer catequese, na realidade o nome dado a esta experiência era catecismo e não catequese. Assim, tínhamos professores do catecismo, alunos do catecismo, aulas de catecismo, etc. Tinha-se aqui a famosa instrução cristã, muito clássica redigida e resultante do Concílio de Trento (1545-1563)[2].
Este modelo catequético reflete nos seus manuais, mesmo que com inúmeras páginas, uma profunda pobreza. Uma avaliação precisa deve ser verdadeira em assegurar que esta catequese tinha na sua índole um fim apologético, na defesa da fé católica contra os protestantes, que o Concílio de Trento muito bem se prestou a isso e, dele derivante, a sua teologia essencialista e controversista dos manuais.
Segundo alguns estudiosos, por exemplo, Francisco Morás, grande estudioso das correntes catequéticas do mundo moderno, podemos agrupar estas tendências da catequese contemporânea em quatro linhas. Que ele denomina-as de Catequese Kerigmática, Catequese Catecumenal, Catequese Antropológica e Catequese Histórico-Profética.
Na linha de reflexão de Morás, a Catequese Kerigmática, surgida nos anos de cinqüenta e sessenta, foi precisamente falando, um movimento que substituiu os «pequenos catecismos» na linha do Catecismo Tridentino. Este catecismo resultante do Concílio de Trento teve várias versos e, quanto mais se multiplicavam os textos nesta linha, mais pobres eles se tornavam, pois, não refletiam a doutrina ampla nele contida. Reproduziam, cada vez mais, textos sintéticos e desconexos entre os vários elementos que davam ao Catecismo de Trento uma visão de conjunto. A Catequese Kerigmática segue estas sínteses do Catecismo Romano.
Quanto ao nome deste catecismo, já falamos de Catecismo Romano, Catecismo de Trento, parece mesmo que estamos falando de textos diversos. Não é bem assim! O problema é que este catecismo fruto do Concílio de Trento recebeu muitos nomes diferentes, provocando-nos uma dificuldade de reconhecermos seus primeiros destinatários.

[1] Quando paramos para uma análise mais prolongada e aprofundada da catequese seguida nos anos cinqüenta (50) e sessenta (60) nos damos contas que ela era centrada em temas essencialistas da doutrina cristã. Seguia uma metodologia própria e um modo de aprendizagem – decorar as verdades fundamentais – nos moldes de perguntas e respostas. Eram conteúdos deste tipo de catequese, entre outros temas, por exemplo, quem é Deus? Por que Deus é eterno? Quem é o homem? E, assim sucessivamente. A estas perguntas, todos deviam ter decoradas as seguintes respostas: a) Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno, criador do céu e da terra. À segunda pergunta teríamos que responder: b) Deus é eterno porque sempre existiu, não teve princípio nem há de ter fim. Por fim, à terceira pergunta deveríamos responder: c) O homem é criatura racional, composta de corpo e alma.
[2] Cf. Morás, Francisco. As correntes Contemporâneas da Catequese. Petrópolis: Vozes 2004, p. 13-14.

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