Para
chegarmos a uma possível resposta a esta tão simples questão, mas de grande
inquietação para todo “ser humano”, isto é, inquietação para aquelas pessoas
que têm uma sensibilidade à questão da justiça social e, acima de tudo, para
aquelas pessoas que têm um senso de dignidade humana. Partiremos de um
princípio essencialmente lógico-fundamental, o qual deveria ser fundamento
insubstituível para qualquer reflexão da situação em que vive cada ser humano.
Este princípio é a própria pessoa humana na sua condição de criatura, criada à
imagem e semelhança de Deus, ou melhor, imagem e semelhança da Trindade.
O termo
“pessoa humana” na própria etimologia quer dizer: indivíduo de natureza
racional, portador de potencialidades que se desenvolvem através da vida, no
seio da família e da comunidade-sociedade. Como indivíduo, a pessoa humana
apresenta duas características fundamentais:
01 – ela é
distinta de todos os outros animais, isto é, constitui uma totalidade em si
mesma;
02
– ela é uma unidade, que não pode ser dividida sem perecer. Compõe-se de alma e
corpo, espírito e matéria, que nela formam uma unidade substancial, cuja
ruptura é a morte.
É um ser
absolutamente original na escala dos seres existentes no universo, embora
nasça, cresça e se desenvolva, como todos os seres vivos, sendo dotado de
sentidos análogos aos dos animais irracionais. A pessoa humana é um ser
consciente, racional e, por isso mesmo, é também um “ser social”, que só na
companhia de seus semelhantes encontra as condições necessárias para o
desenvolvimento de sua consciência, racionalidade e liberdade. E precisamente,
por compreender estas capacidades em seu ser, possui direitos inalienáveis.
É uma
dignidade absoluta porque não depende de nenhuma qualificação, nem se baseia no
mero fato de se tratar de uma pessoa humana, dignidade que lhe confere valor
inestimável e a coloca como razão de ser de todas as instituições sociais,
políticas e econômicas. Por isso, não há nenhuma forma de opressão por parte
das instituições que possa ser justificável diante do primado da pessoa humana.
A bem da
verdade, o homem e a mulher de hoje não têm os seus direitos respeitados por
parte dos representantes políticos, uma vez que estes, querem manter os membros
da comunidade humana submissos a si, para lhes garantir o poder e explorá-los
nas suas mais variadas formas.
É tão
evidente este dado, que em pleno século XXI, encontramos candidatos que não têm
o mínimo de senso cristão e mais, de senso ético, a ponto de comprarem seus
eleitores por qualquer “besteira”.
Mais
descarado ainda é ver estes déspotas incentivados por membros das igrejas ou,
até mesmo, por “líderes religiosos”, formadores e continuadores do ideal de
justiça e soberania proposto por Cristo. E aqui digo “líderes religiosos”,
porque não fazem jus para que se entregue a eles o termo simbólico e tão rico
em significado: “Pastor”, pois é inconcebível, aqui e em qualquer lugar do
planeta, que uma pessoa (pastor) de bom senso iria entregar seu rebanho às
garras de lobos ferozes que querem apenas derrotá-lo e explorá-lo.
O cenário
brasileiro é composto de uma imensa multidão de sobreviventes da grande
tribulação a que historicamente foi submetida. Desde a sua invasão pelos
portugueses, em 1500, até os dias de hoje, o Brasil sobrevive a diferentes
pólos de dependência e dominação.
Primeiramente,
de Portugal e Espanha, depois, no século XIX, da Inglaterra e, hoje, do capital
mundial hegemonizado pelos Estados Unidos. Esta dependência é econômica,
política, ideológica, religiosa, e constitui a causa principal (não exclusiva)
do subdesenvolvimento e da opressão que molestiza a grande maioria dos
brasileiros.
Nunca houve
no Brasil uma revolução que transformasse radicalmente as relações sociais de
dominação para relações de maior participação e mais justiça.
As classes
dominantes sempre detiveram a sua dominação e mantiveram o povo atrelado ao seu
projeto de acumulação, projeto este associado ao outro canibal projeto de
exclusão. A conseqüência desta dependência e dominação é o enorme sofrimento do
povo que, como nos diz o grande historiador mulato, Capistrano de Abreu, “Foi
sempre sangrado e ressangrando, capado e recapado”. Todas as suas
revoltas foram massacradas com extrema violência, o que torna ideológica, falsa
e, mais ainda, mentirosa a visão propagada pela classe dominante de que o homem
e a mulher brasileiros são, sobretudo, “homem e mulher cordiais”.
As profundas
mudanças ocorridas no mundo atingem todo ser humano. Por isso, nenhuma pessoa
humana pode dá-se ao luxo de dizer “eu não posso fazer nada para mudar”. Tal
afirmação é o fim de qualquer experiência humana. E mais desumana ainda é se
sair da boca de um “cristão”, se é que podemos desvalorizar o termo “cristão”,
aplicando a um sujeito de tal natureza.
Cada homem e
cada mulher é convidado, ou melhor, se quiser ter dias de vida mais dignos,
está intimado a manifestar-se diante desta tão perversa situação de miséria que
vive a nação brasileira. Manifestar-se não só com palavras, mas sobretudo, com
ações concretas. Para isso, este é um ano privilegiado, onde cada homem e cada
mulher como verdadeiros cidadãos brasileiros, podem optar e manifestar seu
verdadeiro comprometimento com a pátria que tanto amam, que não estão
satisfeitos com uma política burguesa e de crápulas altamente demagogos, sem um
mínimo de senso de humanidade.
O sistema
social vigente, “neoliberalismo” é, indubitavelmente, perverso e massacrante. É
um verdadeiro canibalismo da dignidade humana. Em um sistema canibal como esse,
o homem e a mulher não são vistos como sujeitos, mas sim como produto de
exploração, no qual não há princípios éticos, morais e religiosos que valorizem
a dignidade humana.
Atualmente
há uma grande luta pela sobrevivência, porém, como isto é possível em um país
que tem aproximadamente sete milhões de pessoas desempregadas? Resta, pois,
para o homem e a mulher tentar “garantir sua sobrevivência” a força do
trabalho.
Diante
disso, o homem vê-se obrigado a vender sua força de trabalho e tornar-se um
objeto de exploração, isto é, o homem e a mulher para tentar sobreviver são
obrigados a venderem seu próprio corpo, ou seja, prostituir-se. E com isto, o
país torna-se um país de prostitutos e prostitutas.
Mais do que
justo é, indispensável para um cristão, fazer uma reflexão de um problema tão
humano como este, a não ser em uma perspectiva eclesial-cristã e, que tenha seu
fundamento último na criatura, mas humana, Jesus Cristo, que foi capaz de
desafiar as estruturas e sistemas desumanos de seu tempo e lutar por uma vida
digna para todos. Como Ele mesmo afirmou: “Eu vim para que todos tenham vida e, a
tenham em abundância” (João 10, 10).
Com isto
fica claro e evidente qual deve ser a missão de Igreja hoje. Sendo esta dar
respostas cabíveis aos anseios do homem e da mulher modernos.
Não deve ser
ela uma Igreja preocupada apenas com o homem e a mulher espiritual, mas sim com
o homem e a mulher na sua completude, uma vez que a ruptura do ser humano é a
própria morte, conforme vimos acima.
Não quero
com esta argumentação dizer que ela deva abandonar a fé, mas sim que à luz da
fé e da Palavra de Deus ela busque restaurar a dignidade humana perdida, de
tantos homens e mulheres que são explorados e excluídos de qualquer
participação na vida pública. Restando-lhes apenas a obrigação de viver sem
direitos e, submissos a sistemas perversos impostos a eles.
A Igreja não
deve levar o homem e a mulher a buscarem o sentido espiritual se este mesmo
homem e esta mesma mulher são desafiados e ameaçados diante de tantas catástrofes
humanas.
Como pode
este homem e esta mulher rezarem de consciência tranqüila, com tanto louvor,
êxtase e estado de gozo com milhares de irmãos e irmãs sem trabalho, comida,
estudo e casa para morarem, como também sem terra para produzirem o seu próprio
sustento? Não seria uma Igreja que se comporta assim uma forma injusta de
tentar manter o povo alienado de seus problemas e, dopado sem direito de
enxergar a olho nú a real situação de miséria que vive?
Seria usar o
mesmo sistema que usa a classe dominante atual, “Pão e circo”, isto é, “Futebol
e carnaval” para todos. Sedativos perfeitos, completos para que não se desperte
estes “filhos teus que não fogem da luta”.
O mundo
avançou em uma enorme progressividade, este é um dado óbvio e, infelizmente, a
Igreja não tem evoluído o necessário para acompanhar a evolução humana,
ficando, contudo, a mercê das realidades sociais.
“O mundo
moderno é, ao mesmo tempo, poderoso e fraco, capaz do melhor e do pior,
colocado em face da liberdade e da escravidão, do progresso e da involução, da
fraternidade e do ódio. O ser humano tem consciência de que lhe compete
orientar as forças que ele mesmo suscitou, mas que o podem oprimir da mesma
forma que servir. Por isso, questiona-se” (Gaudium
et Spes, 09).
De modo
lamentável, o mundo moderno vive uma grande dicotomia, de um lado os grandes
avanços tecnológicos, medicinais, etc., de outro milhões de seres humanos
morrem de fome, vítimas de um sistema opressor e escravizador.
Diante de
tudo isto, podemos ver que motivos para celebrar há sim, sem dúvida, celebrar a
coragem de tantos irmãos e irmãs que organizando-se em sindicatos, associações,
pequenas comunidades foram capazes de lutar em defesa da terra, água, teto,
justiça, e acima de tudo, lutar em defesa da vida, frente a um sistema
dominante e desumano. Nas várias áreas onde esses grupos têm atuado existem
militantes que foram e são ainda perseguidos, e em muitos casos assassinados.
São os verdadeiros mártires da causa dos oprimidos, do direito dos pobres.
Entre tantos
e tantas, e no lugar de todos os caídos, citamos com reverência alguns nomes: a
líder rural Margarida Maria Alves, o índio Marçal, o operário Santos Dias, a
religiosa Irmã Adelaide, o missionário Ezequiel Ramin, o coordenador da
Pastoral da Terra de Imperatriz (MA), Pe. Josimo Tavares, o índio Bororó, o Pe.
Henrique do Recife, Pe. José Maria, o Vaqueiro Raimundo Jacó, Dom Oscar Romero,
Pe. Rutilio Grande, o Pe. João Bosco Benido, Xico Mendes, o seringueiro Zé do
Acre, o sindicalista Fulgêncio, os mártires de Eldorado dos Carajás e Cesi
Cunha.
Celebrar
sim, porém, sem cair no saudosismo. 07 de Setembro, acima de tudo, é um dia
privilegiado, celebra-se, protesta-se, reivindica-se e manifesta a cara que se
vive o Brasil – insatisfação diante de situações desumanas e injustas em que
são mergulhados homens e mulheres brasileiros...
Independência
ou Dependência???
[1] - O presente texto foi escrito na véspera
do dia 07 de Setembro de 2002, Dia da Pátria, Dia do Grito dos Excluídos. Neste mesmo mês, foi publicada uma síntese deste
artigo, no jornal Folha do Seminário,
órgão interno de comunicação e de responsabilidade do Seminário Provincial de
Alagoas, no qual eu habitava neste período. Na ocasião da publicação de parte
deste artigo, houve por parte do vice-reitor do referido seminário, uma
repressão ao companheiro seminarista que era responsável pelo informativo, ameaçado-o
de caso uma outra matéria de tal “caráter” viesse a ser publicada sem a devida
autorização dele o seminarista seria excluído da equipe responsável pelo
jornal. Sua atitude devia-se, unicamente, ao fato de que eu questionava se era
moralmente licito, justo e evangélico, líderes religiosos (padres) apoiarem e
defenderem a candidatura de certos políticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário