7 de set. de 2011

DIA DA PÁTRIA!

                 Chegamos ao dia 07 de Setembro, Dia da Pátria, vamos celebrar ou protestar(1)?
                 Para chegarmos a uma possível resposta a esta tão simples questão, mas de grande inquietação para todo “ser humano”, isto é, inquietação para aquelas pessoas que têm uma sensibilidade à questão da justiça social e, acima de tudo, para aquelas pessoas que têm um senso de dignidade humana. Partiremos de um princípio essencialmente lógico-fundamental, o qual deveria ser fundamento insubstituível para qualquer reflexão da situação em que vive cada ser humano. Este princípio é a própria pessoa humana na sua condição de criatura, criada à imagem e semelhança de Deus, ou melhor, imagem e semelhança da Trindade.
O termo “pessoa humana” na própria etimologia quer dizer: indivíduo de natureza racional, portador de potencialidades que se desenvolvem através da vida, no seio da família e da comunidade-sociedade. Como indivíduo, a pessoa humana apresenta duas características fundamentais:
01 – ela é distinta de todos os outros animais, isto é, constitui uma totalidade em si mesma;
02 – ela é uma unidade, que não pode ser dividida sem perecer. Compõe-se de alma e corpo, espírito e matéria, que nela formam uma unidade substancial, cuja ruptura é a morte.
É um ser absolutamente original na escala dos seres existentes no universo, embora nasça, cresça e se desenvolva, como todos os seres vivos, sendo dotado de sentidos análogos aos dos animais irracionais. A pessoa humana é um ser consciente, racional e, por isso mesmo, é também um “ser social”, que só na companhia de seus semelhantes encontra as condições necessárias para o desenvolvimento de sua consciência, racionalidade e liberdade. E precisamente, por compreender estas capacidades em seu ser, possui direitos inalienáveis.
É uma dignidade absoluta porque não depende de nenhuma qualificação, nem se baseia no mero fato de se tratar de uma pessoa humana, dignidade que lhe confere valor inestimável e a coloca como razão de ser de todas as instituições sociais, políticas e econômicas. Por isso, não há nenhuma forma de opressão por parte das instituições que possa ser justificável diante do primado da pessoa humana.
A bem da verdade, o homem e a mulher de hoje não têm os seus direitos respeitados por parte dos representantes políticos, uma vez que estes, querem manter os membros da comunidade humana submissos a si, para lhes garantir o poder e explorá-los nas suas mais variadas formas.
É tão evidente este dado, que em pleno século XXI, encontramos candidatos que não têm o mínimo de senso cristão e mais, de senso ético, a ponto de comprarem seus eleitores por qualquer “besteira”.
Mais descarado ainda é ver estes déspotas incentivados por membros das igrejas ou, até mesmo, por “líderes religiosos”, formadores e continuadores do ideal de justiça e soberania proposto por Cristo. E aqui digo “líderes religiosos”, porque não fazem jus para que se entregue a eles o termo simbólico e tão rico em significado: “Pastor”, pois é inconcebível, aqui e em qualquer lugar do planeta, que uma pessoa (pastor) de bom senso iria entregar seu rebanho às garras de lobos ferozes que querem apenas derrotá-lo e explorá-lo.
O cenário brasileiro é composto de uma imensa multidão de sobreviventes da grande tribulação a que historicamente foi submetida. Desde a sua invasão pelos portugueses, em 1500, até os dias de hoje, o Brasil sobrevive a diferentes pólos de dependência e dominação.
Primeiramente, de Portugal e Espanha, depois, no século XIX, da Inglaterra e, hoje, do capital mundial hegemonizado pelos Estados Unidos. Esta dependência é econômica, política, ideológica, religiosa, e constitui a causa principal (não exclusiva) do subdesenvolvimento e da opressão que molestiza a grande maioria dos brasileiros.
Nunca houve no Brasil uma revolução que transformasse radicalmente as relações sociais de dominação para relações de maior participação e mais justiça.
As classes dominantes sempre detiveram a sua dominação e mantiveram o povo atrelado ao seu projeto de acumulação, projeto este associado ao outro canibal projeto de exclusão. A conseqüência desta dependência e dominação é o enorme sofrimento do povo que, como nos diz o grande historiador mulato, Capistrano de Abreu, “Foi sempre sangrado e ressangrando, capado e recapado”. Todas as suas revoltas foram massacradas com extrema violência, o que torna ideológica, falsa e, mais ainda, mentirosa a visão propagada pela classe dominante de que o homem e a mulher brasileiros são, sobretudo, “homem e mulher cordiais”.
As profundas mudanças ocorridas no mundo atingem todo ser humano. Por isso, nenhuma pessoa humana pode dá-se ao luxo de dizer “eu não posso fazer nada para mudar”. Tal afirmação é o fim de qualquer experiência humana. E mais desumana ainda é se sair da boca de um “cristão”, se é que podemos desvalorizar o termo “cristão”, aplicando a um sujeito de tal natureza.
Cada homem e cada mulher é convidado, ou melhor, se quiser ter dias de vida mais dignos, está intimado a manifestar-se diante desta tão perversa situação de miséria que vive a nação brasileira. Manifestar-se não só com palavras, mas sobretudo, com ações concretas. Para isso, este é um ano privilegiado, onde cada homem e cada mulher como verdadeiros cidadãos brasileiros, podem optar e manifestar seu verdadeiro comprometimento com a pátria que tanto amam, que não estão satisfeitos com uma política burguesa e de crápulas altamente demagogos, sem um mínimo de senso de humanidade.
O sistema social vigente, “neoliberalismo” é, indubitavelmente, perverso e massacrante. É um verdadeiro canibalismo da dignidade humana. Em um sistema canibal como esse, o homem e a mulher não são vistos como sujeitos, mas sim como produto de exploração, no qual não há princípios éticos, morais e religiosos que valorizem a dignidade humana.
Atualmente há uma grande luta pela sobrevivência, porém, como isto é possível em um país que tem aproximadamente sete milhões de pessoas desempregadas? Resta, pois, para o homem e a mulher tentar “garantir sua sobrevivência” a força do trabalho.
Diante disso, o homem vê-se obrigado a vender sua força de trabalho e tornar-se um objeto de exploração, isto é, o homem e a mulher para tentar sobreviver são obrigados a venderem seu próprio corpo, ou seja, prostituir-se. E com isto, o país torna-se um país de prostitutos e prostitutas.
Mais do que justo é, indispensável para um cristão, fazer uma reflexão de um problema tão humano como este, a não ser em uma perspectiva eclesial-cristã e, que tenha seu fundamento último na criatura, mas humana, Jesus Cristo, que foi capaz de desafiar as estruturas e sistemas desumanos de seu tempo e lutar por uma vida digna para todos. Como Ele mesmo afirmou: “Eu vim para que todos tenham vida e, a tenham em abundância” (João 10, 10).
Com isto fica claro e evidente qual deve ser a missão de Igreja hoje. Sendo esta dar respostas cabíveis aos anseios do homem e da mulher modernos.
Não deve ser ela uma Igreja preocupada apenas com o homem e a mulher espiritual, mas sim com o homem e a mulher na sua completude, uma vez que a ruptura do ser humano é a própria morte, conforme vimos acima.
Não quero com esta argumentação dizer que ela deva abandonar a fé, mas sim que à luz da fé e da Palavra de Deus ela busque restaurar a dignidade humana perdida, de tantos homens e mulheres que são explorados e excluídos de qualquer participação na vida pública. Restando-lhes apenas a obrigação de viver sem direitos e, submissos a sistemas perversos impostos a eles.
A Igreja não deve levar o homem e a mulher a buscarem o sentido espiritual se este mesmo homem e esta mesma mulher são desafiados e ameaçados diante de tantas catástrofes humanas.
Como pode este homem e esta mulher rezarem de consciência tranqüila, com tanto louvor, êxtase e estado de gozo com milhares de irmãos e irmãs sem trabalho, comida, estudo e casa para morarem, como também sem terra para produzirem o seu próprio sustento? Não seria uma Igreja que se comporta assim uma forma injusta de tentar manter o povo alienado de seus problemas e, dopado sem direito de enxergar a olho nú a real situação de miséria que vive?
Seria usar o mesmo sistema que usa a classe dominante atual, “Pão e circo”, isto é, “Futebol e carnaval” para todos. Sedativos perfeitos, completos para que não se desperte estes “filhos teus que não fogem da luta”.
O mundo avançou em uma enorme progressividade, este é um dado óbvio e, infelizmente, a Igreja não tem evoluído o necessário para acompanhar a evolução humana, ficando, contudo, a mercê das realidades sociais.
“O mundo moderno é, ao mesmo tempo, poderoso e fraco, capaz do melhor e do pior, colocado em face da liberdade e da escravidão, do progresso e da involução, da fraternidade e do ódio. O ser humano tem consciência de que lhe compete orientar as forças que ele mesmo suscitou, mas que o podem oprimir da mesma forma que servir. Por isso, questiona-se” (Gaudium et Spes, 09).
De modo lamentável, o mundo moderno vive uma grande dicotomia, de um lado os grandes avanços tecnológicos, medicinais, etc., de outro milhões de seres humanos morrem de fome, vítimas de um sistema opressor e escravizador.
Diante de tudo isto, podemos ver que motivos para celebrar há sim, sem dúvida, celebrar a coragem de tantos irmãos e irmãs que organizando-se em sindicatos, associações, pequenas comunidades foram capazes de lutar em defesa da terra, água, teto, justiça, e acima de tudo, lutar em defesa da vida, frente a um sistema dominante e desumano. Nas várias áreas onde esses grupos têm atuado existem militantes que foram e são ainda perseguidos, e em muitos casos assassinados. São os verdadeiros mártires da causa dos oprimidos, do direito dos pobres.
Entre tantos e tantas, e no lugar de todos os caídos, citamos com reverência alguns nomes: a líder rural Margarida Maria Alves, o índio Marçal, o operário Santos Dias, a religiosa Irmã Adelaide, o missionário Ezequiel Ramin, o coordenador da Pastoral da Terra de Imperatriz (MA), Pe. Josimo Tavares, o índio Bororó, o Pe. Henrique do Recife, Pe. José Maria, o Vaqueiro Raimundo Jacó, Dom Oscar Romero, Pe. Rutilio Grande, o Pe. João Bosco Benido, Xico Mendes, o seringueiro Zé do Acre, o sindicalista Fulgêncio, os mártires de Eldorado dos Carajás e Cesi Cunha.
Celebrar sim, porém, sem cair no saudosismo. 07 de Setembro, acima de tudo, é um dia privilegiado, celebra-se, protesta-se, reivindica-se e manifesta a cara que se vive o Brasil – insatisfação diante de situações desumanas e injustas em que são mergulhados homens e mulheres brasileiros...
Independência ou Dependência???


[1] - O presente texto foi escrito na véspera do dia 07 de Setembro de 2002, Dia da Pátria, Dia do Grito dos Excluídos. Neste mesmo mês, foi publicada uma síntese deste artigo, no jornal Folha do Seminário, órgão interno de comunicação e de responsabilidade do Seminário Provincial de Alagoas, no qual eu habitava neste período. Na ocasião da publicação de parte deste artigo, houve por parte do vice-reitor do referido seminário, uma repressão ao companheiro seminarista que era responsável pelo informativo, ameaçado-o de caso uma outra matéria de tal “caráter” viesse a ser publicada sem a devida autorização dele o seminarista seria excluído da equipe responsável pelo jornal. Sua atitude devia-se, unicamente, ao fato de que eu questionava se era moralmente licito, justo e evangélico, líderes religiosos (padres) apoiarem e defenderem a candidatura de certos políticos.

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